Mais uma vez

De 17 a 23 de novembro de 2024, participei no Retiro dos Zen Peacemakers nos Campos de Concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Mas por que participar mais uma vez?

Minha primeira participação nesse Retiro ocorreu em 2010 e, desde então, ampliei meu engajamento efetivo nas práticas do Budismo socialmente engajado, particularmente na condição de membro efetivo da comunidade Zen Peacemakers. No Retiro, da condição de participante passei sucessivamente a colaborar como membro da Equipe (Staff), depois como Oficiante budista, facilitador de Council e, a partir deste ano, servindo também como um dos Spirit Holders (coordenadores que cuidam da Visão ao longo dos dias de Prática no Retiro). Na estrutura da comunidade, atualmente participo no Conselho diretor do Zen Peacemakers International e como co-diretor espiritual e no Conselho coordenador da Ordem Zen Peacemaker.

Pode parecer que, após algumas participações, o Retiro nos Campos possa tornar-se algo “familiar”, previsível. Definitivamente não é assim. Cada vez é a primeira vez, uma vez mais. Ainda que mantenhamos basicamente a mesma programação desenhada em 1996, como um esboço, pelo Roshi Bernie Glassman durante o vôo de volta da Polônia para os Estados Unidos, a realidade da Prática é sempre reconstruída, a cada Retiro, pelo grupo de participantes e pelas circunstâncias do momento. Neste ano de 2024, éramos 56 pessoas, provenientes de 10 países. Diversidade manifesta em muitos níveis, desde a procedência geográfica, étnica e religiosa, até as diferentes motivações para participar.

Antes do Retiro, imaginei que um tema que se tornaria proeminente seria a questão da tragédia humanitária causada pela guerra em Gaza. Mesmo com a presença de um participante palestino – membro da organização Holy Land Trust, que há muitos anos promove o diálogo e a cultura de paz na região em guerra – o foco se manifestou de forma dinâmica, em termos bem humanos, com a natural vitalidade do que é inerente às causas e condições de nossos sofrimentos pessoais e coletivos. Transitamos das memórias traumáticas ligadas à história dos Campos à insegurança em relação ao processo civilizatório ameaçado pelas tendências autoritárias e discriminativas que retornam com força em muitos países; conectamos com as dores da Terra que se manifestam em eventos extremos por todo o planeta e refletimos sobre nossas insuficiências ao lidar com a acelerada transição sistêmica com que nos deparamos em tempos de inteligência artificial, redefinição de papéis dos gêneros e questionamentos sobre o sentido e efeitos de nossas ações baseadas em uma espiritualidade inclusiva. Se algo pode ser considerado relativamente constante nesse Retiro, é a constatação da importância fundamental do senso de comunidade e do respeito à diversidade. Cada pessoa traz consigo suas memórias, dores, recursos e potenciais de transformação. Em Auschwitz-Birkenau, como aprendi desde a primeira participação, quem nos ensina é o o lugar, o território dos Campos, e a prática que lá fazemos todos os dias, em constante interação ao longo do Retiro, já na sua 29a. edição.

Dessa vez, o clima colaborou para que tivéssemos aprendizados intensos de presença no aqui-agora. Fez muito frio, o vento estava forte e úmido, e tivemos neve nos dois últimos dias. Como a maior parte das atividades do Retiro é realizada dentro dos Campos, ao ar livre, tivemos uma experiência um pouco mais desafiadora, no aspecto físico. Mas nos mantivemos firmes na Prática, sentando em meditação silenciosa no solo daquele local que representa um alerta perene do quanto nós, seres humanos, somos capazes de cometer atos abonimáveis, quando movidos pelo medo, discriminação e perda da lucidez. Nas diversas atividades, nutrimos sementes de paz e aceitação em nossos corações e mentes. E renovamos nosso Votos de prosseguir na Prática constante, a cada momento, em todo lugar, relembrando a lição que talvez saibamos racionalmente, mas que ainda necessita ser aprendida na ação desinteressada e consciente de fazer o que podemos, com os recursos que temos, exatamente onde estamos.

Gratidão aos Ensinamentos e aos Professores e Professoras que generosa e compassivamente nos possibilitam o encontro com o Caminho. E que nossas existências honrem a Vida.

Assine nossa Newsletter

e receba conteúdos exclusivos, como: práticas, textos, sugestões de leitura e muito mais


Conteúdos relacionados

Mais uma vez

De 17 a 23 de novembro de 2024, participei no Retiro dos Zen Peacemakers nos Campos de Concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Mas por que

Ler mais»

Inícios e finais

Na nossa existência, cada processo tem seu ponto de início e de final. Em nossas limitação humana de compreensão parcial da realidade como ela é,

Ler mais»
plugins premium WordPress
pt_BRPortuguese