Ouvir, aprender, pronunciar

Quando estou no Brasil, busco estar imerso na intensidade do país onde nasci. E sempre é muito intenso. Desta vez, minhas maiores motivações tiveram relação com o Retiro que organizamos na Bahia de 01 a 05 de maio de 2024 – “Escravidão e liberdade no Brasil” -, o qual serviu para lançar oficialmente o Círculo Zen Peacemaker Brasil. Ao par disso, a oportunidade preciosa de estar e aprender com David Loy, renomado escritor e professor budista , e uma grande referência no campo da espiritualidade socialmente engajada.

A Vida tem sua própria lógica, e quando cheguei ao Brasil já estava em curso a maior tragédia climática da história do Rio Grande so Sul, estado onde nasci. Para além de qualquer interpretação cognitiva do que acontece, é natural sentir empatia pelo enorme sofrimento de todos os seres afetados por uma inundação sem precedentes. A natureza manifesta de forma poderosa e implacável os efeitos de nossa irresponsabilidade no trato com os sistemas da Vida. Penso que será inevitável escutar os sinais, e reposicionar nossas atitudes como sociedade.


Escutar vai além da capacidade de ouvir, pois envolve compreensão, acolhimento e a capacidade de entender, mesmo sem concordar. Na metodologia que orienta os Retiros dos Zen Peacemakers, como esse que oferecemos na Bahia, a primeira diretriz essencial é o não-saber, uma atitude de humildade perante os fatos que surge da compreensão radical de que a realidade muda a cada momento, independente de nossa arrogância de imaginar que controlamos e entendemos tudo. O segundo princípio refere a estarmos em um estado de presença plena nas situações, a cada momento. Nesse sentido, senti a necessidade de ir para o Sul, independente das circunstâncias. Literalmente, preciso sentir na pele o que está acontecendo lá, e na medida de minha capacidade, apoiar no que puder.

O terceiro princípio diz respeito a agir no mundo. A inspiração que surge em nossos corações e mentes como resultante da prática dos dois princípios anteriores expressaremos na sociedade na forma de ações conscientes e não-violentas. Na minha opinião, em relação ao que acontece agora no sul do Brasil, o momento é de aplicarmos com lucidez e serenidade esse princípio. Os sinais são evidentes: como no Brasil, muitas regiões do planeta sofrem em consequência de eventos extremos nos sistemas naturais. Lembro da afirmação ambientalista que diz que na Natureza não existem castigos nem recompensas, somente consequências. O que podemos e devemos aprender com essas tragédias? Como pronunciaremos nossos aprendizados na forma de ações lúcidas e livres, de modo a superar as causas estruturais desses terríveis eventos, para além de debates superficiais que se limitam aos fatores conjunturais, de curto prazo?

Seja qual for nosso agir no mundo, estou convicto de que o movimento deverá iniciar no silêncio de nossas individualidades, em ambos os sentidos que entendo esse termo.

Primeiro, sinto que não há mais tempo de negarmos qualquer aspecto de nossa inteireza como seres humanos. O momento é de acolher nosso poder de transformar a realidade a partir de nossas motivações e ações como seres únicos, não divididos por conceitos ou preconceitos. Isso requer que acolhamos nossos aspectos mais negados, esquecidos, relegados às sombras do medo de não sermos suficientes para o que a história nos convida e desafia. Ao remembrar nossa identidade como seres humanos, nutrimos a possibilidade de cultivar a compaixão por outros seres que partilham dos mesmos obstáculos, talvez em diferentes proporções ou manifestações. Daí pode surgir a possibilidade de superar os modos violentos de gerir nossos conflitos na sociedade, de agirmos com assertividade e pacifismo, sem cedermos à passividade nem às opressoões de qualquer tipo.

Complementarmente, o conceito de individualidade pede que encaremos o paradoxo de que, embora nos sentindo seres incompletos em nossa experiência da realidade, compartilhamos uma Unidade com toda a Vida, que pode nos permitir a consciência de nossa profunda e inatacável inteireza, que repousa para além de nossas aparentes incompletudes. Dessa forma, naturalmente acessamos o potencial efetivamente ilimitado da colaboração, a exemplo do que ocorre nos sistemas naturais. E nossa visão de mundo se transforma. A atitude de carência com que a cultura dominante usualmente nos atemoriza será transformada pela compostagem da experiência da empatia em nutrientes de uma postura de contentamento genuíno, elemento essencial para que mereçamos as flores e os frutos da bela árvore da gratidão.

Permita-se. Viva as experiências do aqui-agora em plenitude. A Vida tem suas razões. Certamente o sentido mais profundo nos será acessado, se cultivarmos a paciência, a serenidade e a lucidez. Confie. Estaremos juntos no Caminho, onde quer que estivermos.

Cuide-se bem e aprecie sua vida.

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