Escuta Integral

Escuta integral

 

Ouvir com autenticidade requer presença plena e disponibilidade ativa

 

A começar pela nossa anatomia, há indicações claras do valor do ato de escutar: a proporção é de dois ouvidos para uma boca. Culturalmente, o processo usual é de estímulo contínuo e intenso de mensagens, em todos os canais de comunicação. Fala-se muito, o tempo todo. Muita energia é direcionada a discutir pontos de vista e buscar ter razão. Nossa sociedade carece de silêncio, de pausas, de repouso, de escuta autêntica.

 

Onde está o desafio? Vejo uma possibilidade no condicionamento cultural de que deve haver sempre um aspecto dominante. Há uma dificuldade enorme de aceitar que, a depender do ponto a partir do qual olhamos, o que observamos assumirá outro sentido. A expressão é lógica, mas o entendimento á falho: ponto de vista, ver a partir de um ponto, e não de forma integral, o todo do que vemos. A diversidade de opiniões tem sua aceitação limitada na proporção do apego a um modelo de realidade.

 

A fim de ouvir de fato, é fundamental abrir mão do apego a conceitos. Essa atitude demanda, em primeiro lugar, aceitar que é possível ser diferente sem ser melhor ou pior, em um modelo assumido como padrão. Essa abordagem qualitativa da realidade representa um passo significativo para viver de uma forma mais relaxada e pacífica. Uma forma simplificada dessa atitude é a expressão “viva e deixe viver”. Muitas vezes, meu desgaste está mais relacionado a “consertar” o mundo e as pessoas do que em investir minha energia em ser feliz da forma que percebo ser eficiente para mim. Na medida em que aceito que é possível ser feliz em formas diferentes das que eu acredito serem as “corretas”, e essas formas respeitam a minha forma pessoal de viver em contentamento, a realidade de conviver com a diversidade simplifica-se muito.

 

Uma metodologia muito hábil para apoiar o processo de escuta ativa é imergir na realidade de quem se pronuncia. É frequente acreditarmos que basta o entendimento e a aceitação das palavras e conceitos de alguém para que essa pessoa seja ouvida. Minha experiência é de que isso não é suficiente. Primeiro, muitas vezes ouvimos em processo paralelo de preparar internamente uma argumentação com base em nossa visão sobre o que é dito, o que impedirá uma escuta integral, pois parte da atenção irá para nutrir o ciclo de buscar ter razão. Depois, a escuta que ocorre apenas no plano dos conceitos, quaisquer que sejam os canais comunicacionais utilizados, será um processo parcial. É amplamente demonstrada a relevância da comunicação não-verbal, que relaciona-se com elementos supra-racionais de compreensão. Além disso, e mais importante, a complexidade de uma visão e posicionamento diante da realidade só pode ser de fato compreendida – no sentido mais amplo do termo – em termos conscienciais, o que pede a vivência do contexto e das circunstâncias que deram origem àquela visão. Essa compreensão radical requisita um estado que dispensa os julgamentos, uma certa quietude existencial que dá o tempo necessário para a experiência, a elaboração, e o surgimento de uma nova visão possível, agora já com outros referenciais que somente a presença plena proporciona.

 

De forma resumida, me permito afirmar que uma das melhores formas de simplificar nosso cotidiano é aperfeiçoar nossa capacidade de dialogar. E que esse diálogo será tão eficiente quanto for nossa capacidade de falar a partir de experiências reais. Usando uma expressão que recebi como sendo da autoria de Gandhi, “meu poder vem de dizer o que faço”.

 

Fica aqui o desafio de praticar esse nível de coerência em nossos relacionamentos com os outros seres e com a realidade. Sinto que, como resultado, nossa existência será mais gratificante, pacífica, relaxada e saudável. Boa prática !

 

 

 

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